A CRIMINALIZAÇÃO INJUSTA DE QUEM SOCORRE ANIMAIS E RETROCESSO NA PROTEÇÃO ANIMAL

Imagem extraída do artigo “Protetor não é acumulador: cuidado com essa construção especista!” no link: Olhar Animal

Após a prisão da protetora de animais Cristiane Fortes no início de fevereiro no município de Quatro Barras acusada por maus tratos a animais, observamos o risco da desconstrução de um esforço conjunto do poder público e sociedade civil por avanços para os animais. Há muita revolta de quem vem assumindo muito mais animais do que poderia, realizando o papel do poder público ao assumir os animais que a população irresponsável maltratou e abandonou, questão complexa que ao ser tratada de forma superficial, buscando apontar um culpado, veio por gerar mais caos.

O artigo “Protetor não é acumulador: cuidado com essa construção especista!”, embora de 2016, é atual, de onde extraímos algumas passagens citadas abaixo, do qual recomendamos a leitura.

“Na mesma proporção em que cresce a conscientização sobre a causa animal, está crescendo a associação da figura do protetor que mantém abrigos com essa patologia… A maioria das pessoas, terapeutas ou leigos, crê que a síndrome do acumulador de animais começa a caracterizar-se quando alguém resgata ou adota mais animais do que pode abrigar em boas condições. É uma posição que desconsidera completamente o contexto do abandono, a falta de políticas públicas, e a existência de níveis diferenciados de empatia entre humanos e outros animais… Quase ninguém decide em algum momento declarar-se “protetor”. O que há é que indivíduos que demonstram empatia por animais não humanos acabam eventualmente identificados como protetores de animais pelos outros, pela sociedade, que lhes atribui esse papel… Basta ver que não existe termo equivalente quando se trata de quem socorre outros indivíduos em situação de abuso, como crianças ou idosos, pois a empatia para com humanos é considerada a regra. Para com animais, exceção… a partir dessa interpelação, passam essas pessoas também a ser permanentemente induzidas, mesmo coagidas, a tomar mais animais sob sua proteção. Animais doentes ou ninhadas são abandonados em suas portas, parentes, amigos e até desconhecidos as procuram avisando que se não tomarem seus animais sob seus cuidados estes serão mortos ou abandonados nas ruas – e serão de fato, não duvide – e uma simples ida ao trabalho ou ao super se transforma num exercício de autocontrole ao expor-se continuamente a animais esquálidos, doentes ou atropelados na ruas… Pois para esses animais não há nenhuma outra alternativa. Não há políticas públicas, não há abrigo municipal, não há ongs sempre abertas para encaminhá-los, não há nada do que as pessoas alheias à questão animal imaginam, uma mítica “sociedade protetora dos animais”. O cotidiano de um protetor se transforma numa permanente escolha de sofia, entre socorrer mais um sob pena de prejudicar todos que já abriga, ou simplesmente virar para o outro lado e ignorar um pedido desesperado de ajuda. Portanto soa absurda, se não cruel, a demanda para que “não pegue mais nenhum”, entoada como um mantra por aqueles que se dispõe a ajudar o “acumulador” a se “curar”, mas que não se dispõem em nenhum momento a ajudar os animais em situação emergencial. Essa sim, a única solução verdadeira… Dessa forma, alguém que assuma a guarda de dezenas de animais, mas o faça tendo em mente a individualidade e a capacidade de senciência de cada um, e movido por empatia, não pode ser chamado de “colecionador”…

Mas não é à toa que o conceito de “acumulador/protetor” vem sendo cada vez mais utilizado pelos setores administrativos encarregados das míseras ações públicas em prol da questão animal. Para o poder público, o abrigo superlotado de animais é a materialização, é a maior denúncia de sua péssima atuação, é a prova de que nada faz de efetivo. Aquelas mesmas dezenas ou centenas de animais, se não estivessem ali, estariam abandonados e sofrendo terrivelmente ainda de forma pior, vagando pelas ruas, porém invisíveis, porque espalhados. Concentrados num mesmo local, tornam-se uma realidade inconveniente. O que sobra é tentar criminalizar (sob a acusação de perturbar a ordem e a saúde públicas) e/ou desqualificar, como mentalmente insano, o protetor, que seria o portador de uma patologia psíquica… Equivocadamente, culpam a janela por mostrar a paisagem e passam a responsabilizar não a falta de políticas públicas pela existência desses locais, e sim os protetores que os mantém, e que impossibilitados de evitar essa situação de penúria e caos, caem vítimas de circunstâncias extremamente adversas… Se alguém resgata animais em situação de risco e morte iminente, mesmo ciente de que não tem condições ideais para oferecer ao animal, mas ciente também de que o socorro imediato que aquele animal desesperadamente necessita não virá de nenhuma outra parte, discordo de que essa pessoa seja qualificada como desequilibrada por causa disso. Ela é portadora talvez de um grau de altruísmo diferenciado, diferente da média, mas é curioso notar que só quando se trata de animais não humanos é que a conduta altruísta extremada é reduzida a patologia… Em geral, é alguém que desde infância demonstrou especial interesse pelos animais, e a partir dessa afeição, passou a tomar conhecimento da situação de abandono e maus tratos sofrida por eles, e dos esforços da causa animal. Gradativamente, assumiu a tutela de mais animais do que seria confortável para sua renda e estilo de vida; esses novos animais nunca fizeram parte de seu projeto pessoal, mas chegam até ela de diversas formas: ou ela os resgata pessoalmente quando depara com animais em situação de risco ou morte iminente nas ruas – atropelados, abandonados, doentes, ninhadas descartadas – ou atende a pedidos de vizinhos, parentes e até desconhecidos que a procuram quando deparam com os mesmo casos, mas não querendo assumi-los pessoalmente, resolvem passá-los às mãos de uma protetora que julgam – que fantasia – dispor de recursos diferenciados para resolver o problema… Depois que o animal é deixado nas mãos da protetora, os leigos acreditam ou querem acreditar que ela dispõe de soluções facilitadas e quase mágicas para gerir a situação – clinica gratuitas, ração mais barata, fontes inesgotáveis de ótimos lares amorosos para onde encaminhar o bichinho. Sentem-se tranquilos com sua consciência e é comum ouvir a afirmação “fiz minha parte”, quando não se fez absolutamente nada a não ser remover o problema inquietante de diante dos seus olhos e transferi-lo a outra pessoa, já sobrecarregada… Alguns, quando contemplam esses abrigos miseráveis, dizem que os animais estariam melhor na rua. Não tenho tanta certeza, embora a situação de alguns abrigos chegue a beirar o dantesco. Na rua, a fome, o frio e a doença seriam ainda maiores, e além disso existiriam os maus tratos e a solidão. Na verdade, a expectativa de vida de um animal nas ruas, a não ser que tenha a sorte de tornar-se um animal comunitário – que recebe a proteção de uma determinada comunidade embora não tenha um tutor definido – é curtíssima e atroz. No abrigo miserável da protetora, ele tem pelo menos um momento de amor, um olhar de carinho, um nome, é reconhecido como pessoa e não como coisa…”